Arquivo diários:22 de maio de 2020

PRESSÃO ABSOLUTA E PRESSÃO RELATIVA




PRESSÃO ABSOLUTA E PRESSÃO RELATIVA

Uma abordagem incorreta no vestibular

Motivado por uma questão da Universidade Estadual de Minas Gerais e sabendo que a abordagem sobre pressão relativa e pressão absoluta costuma ser cobrado de forma incorreta no vestibular, apresento ao final deste texto uma questão e uma resolução.

Mas, o que vem a ser pressão absoluta ou pressão relativa?

Temperatura Absoluta

Primeiramente, vamos pensar no que significa absoluto: pense em absoluto como sinônimo de “um valor sempre positivo”, ou seja, maior ou igual a zero. Sendo assim, temperatura absoluta equivale a uma escala de temperatura que nunca poderá ser menor que zero.

A exemplo, a escala Kelvin foi baseada na escala Célsius (a variação de 1 K é igual à variação de 1 ºC) e o valor mínimo da escala Kelvin deve ser, por definição, 0 K. Da prática, descobrimos que a menor temperatura termodinâmica possível é aproximadamente -275,15 ºC, por isso escolhemos este valor como sendo 0 K.

Muitos nem imaginam, mas a escala Kelvin não é a única escala absoluta. Da mesma forma que Kelvin se baseou na escala Célsius, Rankine preferiu a escala Fahrenheit, ou seja, a variação de 1 R corresponde à 1ºF. Portanto, a escala absoluta da temperatura não é única, e pode-se ter uma infinidade de escalas, porém no Sistema Internacional temos apenas a escala Kelvin.

Voltando então à pressão, o que é pressão absoluta?

Pressão Absoluta

Tal como discutido quando falamos em temperatura absoluta, a pressão absoluta deve ser definida de forma que ela sempre será maior que zero.

No ensino médio apresentamos pressão como sendo uma força F distribuída em uma superfície de área A:

$$p=\frac{F}{A}.$$

Quando estudamos gases, pensamos em pressão como sendo a força efetiva média que as moléculas fazem na parede que mantém o gás aprisionado dividido pela superfície interna do recipiente.

Conclusão: a pressão com a qual trabalhamos no ensino médio e com a qual a maioria dos estudantes (do ensino médio ou superior) está acostumado, é a pressão absoluta.

Pressão Relativa

Grandezas relativas não são absolutas, portanto aceitam valores negativos, assim, pressão relativa pode aceitar valores negativos.

Mas qual seria a utilidade de pressões relativas?

Sempre quando surge uma unidade de medida ou uma grandeza, é por que ela é útil. Como exemplo, quando se “calibra” o pneu, colocando “28 libras” por exemplo, na verdade você está garantindo que a pressão dentro do pneu seja “28 libras” a mais que a pressão atmosférica.

Assim, vemos que um exemplo de pressão relativa é a pressão que o manômetro (aparelho que você usa para “calibrar” o pneu) é uma pressão relativa, também conhecida como pressão manométrica. Esta pressão é portanto definida como:

$$p_{manometrica}=p_{absoluta}-p_{atmosferica}.$$

Mas, e quando o pneu está vazio? O manômetro não mede zero?

Pois é, quando o pneu está “vazio” na verdade ele têm ar e a pressão interna é igual à pressão atmosférica. Na verdade, o pneu é montado antes de ser colocado no carro, assim quando é colocado no carro, o peso do carro amassa o pneu aumentando a pressão interna, portanto, a de um pneu “vazio” é, por vezes, até maior que a da atmosfera.

Você notou que ao encher o pneu você não usa a unidade atm (atmosfera), nem Pa (pascal) ou mesmo mmHg (milímetro de mercúrio), mas sim a “libra”.

Unidade de pressão psi

Quando você coloca “28 libras” de pressão em um pneu, na verdade você está colocando 28 psi. A unidade psi é uma abreviação do inglês para pound force per square inch, que para uma tradução livre é libra-força por polegada quadrado.

A libra-força corresponde ao peso de um corpo de 1 libra de massa. Como a gravidade utilizada em definições é sempre a gravidade normal (definida no nível do mar com uma latitude de 45º), então, para termos precisão, vamos utilizar g = 9,81 m/s². Uma libra corresponde à 0,453592 kg, assim calculemos o valor da unidade libra-força:

$$1\; \texttt{libra-forca} =m\cdot g \approx 4,4497\; \texttt N.$$

Mas libra-força por polegada quadrado significa dividir a unidade de medida de força por uma área de 1 polegada quadrado. Como uma polegada é igual à 2,54 cm, então uma polegada quadrado corresponde à área de um quadrado de lados iguais à 2,54 cm, ou 0,0254 m. Esta área no Sistema Internacional corresponde à:

$$A=2,54\cdot 10^{-2}\cdot 2,54\cdot 10^{-2}=6,4516\cdot 10^{-4}\;\texttt{m}^2.$$

Por fim, utilizando a fórmula da pressão

$$p=\frac{F}{A},$$

teremos:

$$1\;\texttt{psi}=1\; \texttt{libra-força por polegada quadrado}$$

$$\Rightarrow 1\;\texttt{psi}\approx\frac{4,4497\; \texttt N}{6,4516\cdot 10^{-4}\;\texttt{m}^2}\Rightarrow$$

$$1\;\texttt{psi}\approx 6.897\;\texttt{Pa}.$$

Por fim, se você buscar na internet o valor de um psi convertido para pascal,  você obterá 6894,76 Pa. Isso se deve a diversos fatores como aproximações durante os cálculos ou mesmo uma questão de definição da grandeza.

Quanto de fato vale a pressão no pneu

Supondo que você se encontre em um local onde a pressão atmosférica é de 1 atm e sabendo que 1 atm corresponde à 101325 Pa, então podemos converter psi em Pa (fica como exercício) obtendo que

$$1\;\texttt{atm}=14,696 \;\texttt{psi},$$

assim, se você colocou aquelas 28 “libras” no seu pneu, a pressão absoluta do pneu é 28 + 14,696 = 42,696 psi.

Pressão e Gases Ideais

Todas as grandezas com as quais trabalhamos no estudo de gases (no ensino médio, apenas gás ideal é abordado na disciplina de física), são grandezas absolutas. Vejamos quais são elas:

  • Temperatura;
  • Pressão;
  • Volume;
  • Número de mols;
  • Energia interna; e
  • Energia cinética média.

Há grandezas negativas, como calor e trabalho, mas estas não são chamadas de variáveis de estado e, portanto, não define um estado do gás (variáveis de estado fica como assunto para um outro possível post).

Portanto, quando trabalhamos com a equação de Clapeyron

$$pV=nRT$$

ou com a equação geral dos gases ideais

$$\frac{p_iV_i}{T_i}=\frac{p_fV_f}{T_f}$$

sempre devemos trabalhar com pressões absolutas.

Onde o vestibular costuma errar?

Normalmente, a diferença entre pressão absoluta e pressão relativa não é abordada no ensino médio, dessa forma é muito fácil encontrarmos questões que tratam questões que envolvem pressão relativa que são resolvidas como se trabalhassem com pressão absoluta.

Normalmente quando isso acontece nem professores nem alunos percebem essa diferença, assim a questão normalmente não é anulada (desconheço casos em que a questão foi anulada por esse motivo). Isso é bastante complicado, pois é uma cadeia inteira de erros, apesar de muitos livros didáticos fazerem esta diferenciação entre as grandezas.

Vamos então à um exemplo: uma questão recente de um importante vestibular Brasileiro. Não quero criticar este vestibular, pois isso não é problema apenas deste vestibular: um importante banco de questões foi notificado por mim sobre o erro desta questão e a resposta que me deram foi que esta questão não possui problemas.

Um exemplo recente

(Uemg 2019) Antes de viajar, o motorista calibrou os pneus do seu carro a uma pressão de 30 psi quando a temperatura dos pneus era de 27 °C.  Durante a viagem, após parar em um posto de gasolina, o motorista percebeu que os pneus estavam aquecidos. Ao conferir a calibragem, o motorista verificou que a pressão dos pneus era de 32 psi.

Considerando a dilatação do pneu desprezível e o ar dentro dos pneus como um gás ideal, assinale a alternativa que MELHOR representa a temperatura mais próxima dos pneus.

a) 29 ºC.

b) 38 ºC.

c) 47 ºC.

d) 52 ºC.

RESOLUÇÃO

Como discutido anteriormente, a pressão mostrada no manômetro não é pressão absoluta. Assim, esta questão deveria dar informações como o valor de 1 atm em psi ou dar condições para conversão.

Utilizando informações discutidas ao longo do texto, vamos considerar que 1 atm = 14,696 psi, portanto a pressão inicial do gás era

$$p_i=30+14,696=44,696 \texttt{ psi}$$

e a pressão final do gás era

$$p_i=32+14,696=46,696 \texttt{ psi}.$$

As temperaturas devem estar na escala Kelvin, portanto a temperatura inicial é 27 + 273,15 = 300,15 K.

Portanto, podemos fazer uso da lei geral dos gases, levando em conta que o volume inicial é igual ao final:

$$\frac{p_iV_i}{T_i}=\frac{p_fV_f}{T_f}\Rightarrow \frac{44,696}{300,15}=\frac{46,696}{T_f}\Rightarrow$$

$$T_f=313,58\texttt{ K}\approx 314\texttt{ K}.$$

Passando para a escala Célsius:

$$T_f\approx 314-273=41 \texttt{ ºC}.$$

Portanto, a alternativa mais próxima seria a letra B.


OBS1: se considerarmos erroneamente a pressão do pneu apresentada no enunciado como sendo a pressão absoluta, chegaríamos na letra C, portanto, além de ser muito mais difícil resolver a questão corretamente, a resposta à qual chegaríamos não é a mesma que do gabarito oficial. Esta seria uma questão que deveria ser anulada.

OBS2: alguém poderia falar com propriedade que nenhum aluno faria a resolução de forma correta, mas eu retrucaria questionando: “nenhum aluno seu?”. Acrescento a pergunta: em que mundo vivemos onde o errado é considerado correto? Se a questão está errada, não importa se 100% dos alunos não identificaram o erro, pois mesmo assim ela continua errada.




Acoplamento de engrenagens: Bicicleta

Veja abaixo a animação feita na plataforma Desmos. Observe que a velocidade dos pontos na corrente, coroa (A) e catraca (C) são iguais.

Já entre a roda (C) e a catraca (B) o que são iguais é: período (T), frequência (f) e velocidade angular (ω).

Assim, da animação acima e da discussão anterior:

$$v_A=v_B \Rightarrow \omega_A\cdot R_A=\omega_B \cdot R_B.$$
Além disso, como
$$\omega=\frac{2\pi}{T}=2\pi f$$
então
$$\frac{R_A}{T_A}=\frac{R_B}{T_B}$$
e
$$R_A\cdot f_A=R_B \cdot f_B.$$

Por outro lado, como a roda (C) e a catraca (B) possuem eixo em comum, então:
$$T_B=T_C;$$
$$f_B=f_C;\;\rm e$$
$$\omega_B=\omega_C.$$
Pela equação do movimento circular:
$$v=\omega \cdot R \Rightarrow \omega=\frac{R}{v},$$
então também temos a relação
$$\frac{R_A}{v_A}=\frac{R_B}{v_B}.$$

Veja também o gif abaixo, feito a partir da animação no Desmos.

Aguarde... Carregando.

Bicicleta Animada: coroa (A), catraca (B) e roda (C). Observe que quando a roda da uma volta, a catraca também dá.