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“Regra do Tombo”




Se quiser um resumo, vá para o final do post. Além disso, estou assumindo algum conhecimento de física e matemática, mas não de cálculo (ensino superior). Tentei dar explicações simples de conceitos mais elaborados, entretanto alguns passos achei difíceis de explicar, portanto certamente teremos alguma perda de rigor.

Você já deve ter ouvido falar dessa tal de regra do tombo, certo? Se não, vou apresentá-la, sem entrar em detalhes. Ela será útil para lembrar de algumas fórmulas sem lançar mão daquelas “frases” tão usadas.

Primeiro, a “regra do tombo” exige que você tenha algum conhecimento prévio do assunto no qual você irá aplicá-la. Por exemplo, digamos que você sabe de antemão algumas fórmulas (sempre na forma de razão). Por exemplo, sabemos que \(v=\frac{\Delta S}{\Delta t}, \)\(a=\frac{\Delta v}{\Delta t}\)\( e F=\frac{\tau}{\Delta S}\).

Sendo \(v\) a velocidade, \(S\) o deslocamento, \(t\) o tempo, \(a\) a aceleração, \(\tau\) o trabalho, \(F\) a força e \(\Delta\) representa a variação de uma grandeza (isto é, a grandeza final menos a inicial).

Estes são apenas alguns exemplos, mas poderíamos usar muitos outros. Vamos então começar a falar o que é essa “regra”.

A grandeza do numerador (parte de cima da fração) deve depender da grandeza do denominador (parte de baixo da fração) e quem irá sofrer o tombo é a grandeza no denominador. Por exemplo, para achar a velocidade, temos de antemão que a posição deve depender do tempo e quem sofre o tombo é o tempo, pois este estaria no denominador. Vamos à um exemplo: sabemos que \(v=\frac{\Delta S}{\Delta t}\) para o caso em que a velocidade é constante, então comecemos com a equação da posição. Digamos que um corpo percorre uma trajetória retilínea tal que a equação horária é dada pela seguinte equação: \(s(t)=3t^2\)A “regra do tombo” diz para “derrubar” o expoente 2 do tempo (note que o tempo é quem está no denominador da equação que temos inicialmente). Esse expoente vai passar multiplicando o número 3, depois subtraímos um do expoente. Assim temos:

\(v=\rm{TOMBO}s_{em \; t} =2\cdot 3 t^{2-1}=6t\)

E esta é a equação da velocidade. Vamos para mais um exemplo?

Observe que a fração inicial, no caso anterior \(v=\frac{\Delta s}{\Delta t}\), só serve para sabermos a função (numerador, parte de cima da fração) que vamos tombar e o denominador (o que está em baixo da fração) nos diz quem vai sofrer o tombo (lembre-se de que esta equação é válida somente no movimento uniforme, mas ela nos auxilia a determinar qual função e qual variável irá “tombar”). Assim, mais um exemplo para a velocidade.

Seja dada a equação da posição \(s(t)=3t+2t^2\)Aplicando o tombo, temos:

\(v=\rm{TOMBO}s_{em \; t} =1\cdot 3 t^{1-1}+2\cdot 2t^{2-1}=3t^0+4t=3+4t\)

Como todo número elevado à zero é 1, então dizemos que \(t^0=1\) (na verdade isso é um pouco impreciso, pois \(0^0\) é uma indeterminação, assim por hora tomaremos \(t^0=1\) para todo o caso porque simplifica a nossa vida).

Ta muito fácil, não está? Vamos complicar um pouco… Seja a equação horária \(s(t)=3t^{\frac{4}{3}}+2\sqrt{t}\). Determine a equação da velocidade e da aceleração do móvel que obedece esta equação.

Vamos aplicar o tombo:

\(v=\rm{TOMBO}s_{em \; t} =\frac{4}{3} \cdot 3 t^{\frac{4}{3}-1}+\frac{1}{2}\cdot 2t^{\frac{1}{2}-1}\)

Observe que substituímos \(\sqrt{t}=t^{\frac{1}{2}}\)e aplicamos a “regra” normalmente. Continuando:

\(v=3t^{\frac{4}{3}-\frac{3}{3}}+t^{\frac{1}{2}-\frac{2}{2}}=4t^{\frac{1}{3}}+t^{\frac{-1}{2}} \Rightarrow \)

\(v=3\sqrt[3]{t}+\frac{1}{\sqrt{t}}\).

Ufa! Acabou…

Entendeu? Este processo é geral, ou seja, é aplicado para qualquer função \(f(x)\) desde que saibamos o que é a razão \(\frac{\Delta f(x)}{\Delta x}\). Quando constante, esta razão terá um significado, assim quando variável obtemos este significado pela regra do tombo. Abaixo vou dar mais alguns exemplos. Mas vamos para exemplos não numéricos, isto é, vamos usar algumas fórmulas conhecidas para chegar em outras.

MOVIMENTO UNIFORMEMENTE VARIADO

Vamos começar com a equação do “sorvetão”: \(s(t)=s_0+v_0t+\frac{1}{2}at^2\). Como já vimos, “tombamos” \(t\)para acharmos \(v\). Primeiro, vamos reescrever \(s(t)\) de maneira mais conveniente:

\(s(t)=s_0\cdot t^0+v_0 \cdot t^1+\frac{1}{2}a\cdot t^2\)

Aplicando o tombo: \(v=0+v_0\cdot 1+2\cdot \frac{1}{2} a \cdot t^{2-1} \Rightarrow \)\(v(t)=v_0+at\)

Sabemos que \(a=\frac{\Delta v}{\Delta t}\)quando a aceleração é constante, então aplicando o tombo na equação acima obtemos a aceleração. Verifique você mesmo que obterá \(a=a\) como tinha que ser… 🙂

FORÇA ELÁSTICA

Temos que começar com alguma fração conhecida. No caso, sabemos que \(F=\frac{\tau}{\Delta s}\). Quando comprimimos uma mola de uma distância \(\Delta s=x\), realizamos um trabalho

\(\tau = -\Delta E_{potencial}\),

isto é, “damos” energia potencial para a mola. Assim, podemos escrever que:

\(F_{elástica}=-\frac{\Delta E_{potencial}}{\Delta s}\)

Observe que esta equação seria válida somente para força constante, como a força peso, por exemplo, mas não para a mola que tem uma força variável. Se a força fosse constante a encontraríamos pela razão obtida, mas como não é temos que usar a regra do tombo. Assim, se soubermos a energia potencial de uma mola conseguimos descobrir a força.

Com isso, sabendo que \(E_{potencial}=\frac{kx^2}{2}\)aplicamos o tombo em \(x\):

\(F_{elástica}=-2\cdot \frac{k\cdot x^{2-1} }{2} \Rightarrow \)\(F_{elástica}=-kx\).

FORÇA GRAVITACIONAL

Para finalizar, lembremos da fórmula da energia potencial gravitacional:

\(E_{pot}=-\frac{GMm}{d}=-GMmd^{-1}\).

Por uma discussão análoga à anterior, aplicando o “tombo” em \(d\) obtemos a força gravitacional:

\(F_{grav}=-\left [-(-1)GMmd^{-1-1}\right ]\Rightarrow \)\(F_{grav}=-\frac{GMm}{d^2}\).

Os sinais aqui confundem um pouco, mas o que importa é que chegamos na forma da força gravitacional. O sinal de menos é interpretado da seguinte forma: a força gravitacional é oposta ao vetor posição.

forc_grav

A sugestão que deixo é que não se preocupe com o sinal, pois a explicação mais detalhada do sinal vem de um assunto que é abordado no ensino superior chamado de gradiente.

Você pode fazer isso para a energia potencial gravitacional próxima à superfície da Terra:

\(E_{pot}=mgh\Rightarrow F_{grav}=-mg\).

 

O sinal de menos surge porque a força é para baixo, sendo a altura medida de baixo para cima.

FORÇA ELÉTRICA

Esta fica como exercício…

Sabendo a energia elétrica:

\(E_{pot}=K\frac{Q\cdot q}{d}\),

você deverá obter parfa o módulo da força a seguinte relação:

\(F=K\frac{Q\cdot q}{d^2}\).

Na realidade, tomando um referencial simular ao discutido para força gravitacional, podemos dizer que esta relação também leva em conta os sinais das cargas. Reflita sobre isso: se as cargas tiverem o mesmo sinal, a força é repulsiva, afinal obteremos um valor negativo para ela; se as cargas tiverem sinais opostos, a força elétrica é atrativa, afinal obteríamos a força com um valor negativo.

M.H.S.

Acredito que este seja o ponto mais útil da “regra do tombo”, pois demonstrar todas as equações do M.H.S. sem usar esta ferramenta é mais trabalhoso.

Primeiro temos que aprender como aplicar a regra do tombo para funções trigonométricas, pois a equação do M.H.S. é \(x(t)=Acos(\omega t +\phi _0)\). Abaixo, temos a esquerda uma função trigonométrica e à direita a mesma função “tombada”:

\(\rm{sen} x \Rightarrow \rm{cos} x\)

\(\rm{cos} x \Rightarrow -\rm{sen} x\)

Usaremos isso logo abaixo. Mas antes temos que entender a regra do tombo para funções compostas (ou regra da cadeia).

Seja uma função composta \(f(g(x))\). Para aplicar a regra do tombo, nós consideramos que \(g(x)=y\), sendo \(y\) outra variável, “tombamos” \(f(y)\) em relação à \(y\) e multiplicamos o resultado por \(g(x)\) “tombada”.

Vamos à um exemplo.

Seja \(f(x)=5 \cdot \rm{sen}(2x^3+8)\). Para tombar \(f(x)\) temos que perceber que esta é uma função composta em que \(f(x)=f(g(x))\) e \(g(x)=2x^3+8\). Pelo procedimento descrito acima, escrevemos \(g(x)=y\) e tombamos \(f(y)\) em relação à \(y\):
$$f(y)=5\rm{sen}y \Rightarrow 5\rm{cos}y.$$

Depois tombamos \(g(x)=y\) e multiplicamos pelo resultado anterior: $$g(x)=2x^3+8 \Rightarrow 6x^2$$.

Multiplicando os dois temos: $$5\cdot \rm{cos}(2x^3+8)\cdot 6x^2=30x^2\cdot\rm{cos}(2x^3+8).$$

Agora vamos tentar com a equação do M.H.S.. Temos primeiro a equação da posição: \(x(t)=Acos(\omega t +\phi _0)\). Lembrando que tombar \(x\) em relação ao tempo encontra-se a velocidade, então: $$v(t) = A\cdot -sen(\omega t +\phi _0) \cdot(\omega) \Rightarrow $$
$$v(t)=-A \omega \rm{sen}(\omega t + \phi _0).$$

O termo que coloquei entre parêntesis na frente da primeira igualdade é o “tombo” aplicado no termo de dentro da função trigonométrica.

Se aplicarmos a regra novamente encontramos a aceleração: $$a(t)=-A\omega ^2 \rm{cos}(\omega t + \phi _0).$$
Observe que \(a = -\omega ^2 x\) e esta é uma equação extremamente importante no M.H.S..

RESUMÃO

Regra do tombo para polinômios:

$$x^n \overset{\rm{tombo}}{\Rightarrow} n\cdot x^{n-1}$$

Regra do tombo para funções trigonométricas:

$$\rm{sen} x \overset{\rm{tombo}}{\Rightarrow} \rm{cos} x$$

$$\rm{cos} x \overset{\rm{tombo}}{\Rightarrow} -\rm{sen} x$$

Funções compostas:

$$f(g(x))=f(y)\overset{\rm{tombo}}{\Rightarrow} (\rm{tomba} \; f(y))\cdot (\rm{tomba}\; g(x))$$


Energia cinética dissipada em uma colisão

OBSERVAÇÃO: neste post não vou me ater aos detalhes do problema fazendo desenhos e representações, uma vez que meu objetivo é documentar uma demonstração de um problema que julgo difícil se feito por meios convencionais (teria que se resolver um sistema grande).

Aqui vou falar de forma geral sobre problemas que perguntam qual a energia dissipada em uma colisão entre dois corpos, que são bastante comuns. Demonstrar a equação abaixo usando sistemas é muito trabalhoso, assim vou apresentar uma alternativa para prová-la com muito menos trabalho.

Energia dissipara na colisão entre dois corpos: $$E_{dissipada}=\frac{\mu}{2}(v_2-v_1)^2(1-e^2)$$ sendo \(\mu\) a massa reduzida do sistema constituído de duas massas \(m_1\) e \(m_2\) (massa dos corpos que sofrem colisão), \(v_1\) e \(v_2\) as velocidades dos corpos 1 e 2, respectivamente, antes da colisão e e o coeficiente de restituição elástica.

Usamos a massa reduzida do sistema para obter uma equação mais simples, mas a massa reduzida é dada por: $$\mu = \frac{m_1 \cdot m_2}{m_1 + m_2}$$ e caso não se lembre (ou não saiba) o coeficiente de restituição elástica e é dado por: $$e=\frac{v_1′-v_2′}{v_2-v_1}.$$ Aqui \(v_1′\) e \(v_2′\) são as velocidades dos corpos 1 e 2, respectivamente, após a colisão. Vale destacar aqui que não estamos trabalhando com os módulos das velocidades, mas sim com os valores escalares destas e estamos considerando uma colisão unidimensional.

Vou considerar dois problemas distintos:

  1. dois corpos com velocidades iniciais \(v_1\) e \(v_2\) que colidem inelasticamente e unidimensionalmente, com velocidade final \(v_3\);
  2. dois corpos com velocidades iniciais \(v_1′\) e \(v_2′\) que colidem inelasticamente e unidimensionalmente, com velocidade final \(v_3′\).

Isso mesmo, a segunda situação remete aos caso de uma colisão na qual dois corpos de massas \(m_1\) e \(m_2\), respectivamente, com velocidades \(v_1′\) e \(v_2′\), iguais às velocidades finais do problema que queremos realmente resolver. Vamos lá:

PRIMEIRO CASO

A quantidade de movimento do sistema deve se conservar, então, na forma escalar (isto é, considerando que as velocidades podem ser positivas ou negativas), temos a quantidade de movimento do sistema dada pot: $$Q_0 = m_1 \cdot v_1 + m_2 \cdot v_2.$$ Agora, como a colisão é inelástica, a velocidade dos dois corpos serão iguais à \(v_3\) e a quantidade de movimento final será $$Q_f=(m_1+m_2) \cdot v_3.$$

Como a quantidade de movimento se conserva, \(Q_0=Q_f\), ou seja:

$$m_1 \cdot v_1 + m_2 \cdot v_2=Q_f.$$

Isolando \(v_3\):

$$v_3=\frac{m_1\cdot v_1+m_2 \cdot v_2}{m_1+m_2}.$$

Como a colisão é perfeitamente inelástica, vamos calcular a energia dissipada neste sistema. Temos que fazer um tantinho bom de cálculo, então vou pular algumas etapas, mas sugiro que as faça em um papel. Temos então que a energia dissipada \(E_{dissipada}’\) é: $$E_{dissipada}’=E_{cin_{inicial}}-E_{cin_{final}}.$$ Substituíndo os dados temos: $$ E_{dissipada}’=\frac{m_1\cdot v_1^2}{2}+\frac{m_2\cdot v_2^2}{2}-\frac{(m_1+m_2)v_3^2}{2}.$$

Substituindo \(v_3\) encontrado anteriormente: $$E_{dissipada}’=\frac{m_1\cdot v_1^2}{2}+\frac{m_2\cdot v_2^2}{2}-\;\;\;\;\;\;\;\;\;\;\;\;\;\;\;\;\;\;\;\;\;$$   $$\;\;\;\;\;\;\;\;\;\;\;\;\;\;\;\;\;\frac{m_1 + m_2}{2} \left ( \frac{m_1\cdot v_1^2+m_2 \cdot v_2^2}{m_1+m_2} \right )^2. $$

Fazendo a expansão chegaremos à: $$E_{dissipada}’=\frac{m_1 \cdot m_2}{2(m_1 + m_2)}\cdot (v_1^2-2v_1v_2+v_2^2)$$

$$\Rightarrow E_{dissipada}’=\frac{m_1 \cdot m_2}{2(m_1 + m_2)}\cdot (v_1-v_2)^2.$$

Substituindo pela massa reduzida \(\mu\) descrita acima, obtemos: $$E_{dissipada}’=\frac{\mu}{2}\cdot (v_1-v_2)^2.$$

SEGUNDO CASO

Como todos os procedimentos são análogos ao anterior, o resultado do segundo caso será semelhante: $$E_{dissipada}”=\frac{\mu}{2}\cdot (v_1′-v_2′)^2.$$

CASO EM ESTUDO

Nosso caso de interesse não é nenhum dos dois, porém podemos entender o caso de uma colisão qualquer como sendo os dois anteriores, porém o últimos visto em ordem reversa. Tentarei explicar isso melhor.

Durante a colisão, vai haver um momento em que ambos os corpos atingem velocidades iguais, e neste caso temos que ambos se movem com velocidade \(v_3\) (observe que estamos discutindo o que ocorre durante a colisão, mas que normalmente apenas nos interessamos no que ocorre antes ou depois). Nesse instante a energia cinética se reduziu de \(E_{dissipada}’\) conforme o primeiro caso acima, porém ela não necessariamente foi dissipada em calor: um parte fica na forma de potencial elástica devido à deformação dos materiais envolvidos. Se a colisão é perfeitamente inelástica, esta é a energia dissipada; se a colisão é perfeitamente elástica, toda esta energia se transforma em energia potencial elástica que voltará a se transformar em energia cinética.

Após a colisão, a energia disponível é \(E_{dissipada}’\), porém a parte que se transforma em energia cinética é a \(E_{dissipada}”\) discutida no segundo caso, pois esta é a máxima energia cinética que o sistema do caso dois teria para perder (aqui é o ponto chave e se não entendeu, releia o texto ou tente imaginar o que ocorre).

Assim, a energia realmente dissipada será: $$E_{dissipada}=E_{dissipada}’-E_{dissipada}”\Rightarrow $$

$$E_{dissipada}=\frac{\mu}{2} \left ( (v_1-v_2)^2-(v_1′-v_2′)^2\right ). $$

Usando o coeficiente de restituição elástica e para fazer a substituição \(v_1′-v_2’=e(v_1-v_2)\), obtemos: $$E_{dissipada}=\frac{\mu}{2} \left (  (v_1-v_2)^2-(e(v_1-v_2) \right ) ^2\Rightarrow $$ $$E_{dissipada}=\frac{\mu}{2} (v_1-v_2)^2(1-e^2).$$

Isto era exatamente o que queríamos obter.